A Faxineira de Ilusões e a observação da rotina através de mulheres que conhece

Ana Virgínia Santiago
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Saio cedinho por minha aldeia. Observo e reencontro a Mulher que vive sozinha e ,também, pela manhã anda pelas ruas e praças.
Todas as manhãs, Ela sai no mesmo horário. Passa por lugares rotineiros que lhes são caros . Movimenta-se como se estivesse desbravando caminhos e direções para a sua vida. Porque tem no coração o permanente amor por aquele lugar, sofre, sorri, chora e espera...

Parada, observa as pessoas que, todos os dias, percorrem o mesmo roteiro. Todas ocupando o mesmo espaço e encenando o tedioso comportamento do dia a dia.

O tempo frio obriga os transeuntes às mudanças de comportamento e vestuário, mostrando nas expressões, os olhares, inquisidores ou não, que anseiam, acomodam, sonham ou questionam.

O que será que pensa aquele senhor que todos os dias busca no tratamento de saúde, a esperança para seus olhos tristes?

De que tanto sorri aquela jovem mãe, que leva a filha para a escola, o uniforme impecável denotando limpeza e noção de higiene? Será que são os questionamentos infantis ou o agradecimento pela vida que lhe dá tranquilidade?

E aquele casal o que conversam na caminhada que os levarão aos seus trabalhos?

Como conversam aquelas senhoras que, no hábito das andadas matutinas, fazem suas terapias com as amigas e sorriem! E conversam e se distraem e se cuidam.

Quantas vidas que desfilam todas as manhãs atestando que a vida realmente não para! Evolui, estaciona em alguns momentos, em outros, prossegue. Sempre.

De longe, olho a Mulher que observa as pessoas e sorri com os olhos... E brinco de adivinhação solitária e acredito que temos muitos questionamentos em comum.

Por que será que, algumas pessoas que estão no mesmo espaço que nós, não conseguem balbuciar um cumprimento de bom dia? O que as impede de serem sociáveis? Alguma amargura? Esquecimento do que lhes foi ensinado na infância? E por que outras que, antes desconhecidas, agora, passam e sorriem e sabem o valor de um desejo de dia bonito apesar de mostrarem, pelo aspecto físico e pela face, o sofrimento que a vida lhes impõe?

De longe, olho a Mulher que observa as pessoas

E que vê rostos, muitos rostos, pelas janelas dos coletivos, de pessoas muitas com olhares vagos, que, rotineiramente, vão para os trabalhos e escolas e já são pessoas conhecidas.

É dia chuvoso. Sol tímido querendo sair, encantar, abraçar...

Acompanho a Mulher em completa solidão e tranquila em sua maneira de ver o mundo, que agora entra na praça, antes tão linda, e descansa.

Caminho e paro agora em outro espaço dividido com outras pessoas, continuo a questionar as lacunas existentes na alma delas...

Será possível que o convívio diário e o contato ao lado de várias pessoas, não conseguem transformar angústias, mágoas, preocupações, desamores, desconhecimentos de valores morais e tristezas, nas qualidades que outras que estão ali sabem tão bem mostrar?

Por que não os cumprimentos, as risadas, os desejos de dia de paz, os sorrisos? Por que não a socialização?! Por que não abolir a mágoa e os sentimentos que só prejudicam alma?

O que as impedem de ser gente?

Vejo uma Outra Mulher que comunga idéias e sonhos com tantas outras almas femininas.

E conversamos sobre nossas ausências físicas na aldeia, todavia, empurradas pela fibra ótica. E me indaga muito e,com os olhos, busca respostas para ,mais tarde, absorvê-las, acredito...

Por que o meu desaparecimento?

Ah! Optei em parar por um tempo. Não conseguia prosseguir, levar adiante a minha função de varrer...varrer...varrer... romper e jogar fora todos os elos que a levam para um mundo de sonhos e solidão, porque perdas afetivas são poderosas e abalam estruturas.

Resolvi descansar um tempo para não perecer como acontece com tantas pessoas que morrem e continuam vivas por desconhecerem o significado de Fênix. E citei a Mulher que há pouco a vi observando...

Quanta solidão, momentos sós, idéias correndo loucas em sua mente, afirmações sendo vistas como mentiras, palavras ouvidas que não poderiam ser ditas e se transformaram em couraça!

Quanto desespero eu vi em seu olhar, por saber-se impotente para tocar a sua própria vontade, banir a saudade e voar...voar...voar, como eu faço em momentos de desencanto, indo ao encontro das nebulosas!

Preciso contar uma história para essa outra Mulher, acalentá-la, ser a sua companhia num momento anímico tão doído.

Falar-lhe de mulher que conheci e que sonhava muito, adolesceu sonhando com um sentimento que nunca encontrou. Adentrou na fase adulta acreditando que a utopia fazia parte de seu mundo porque ainda buscava o que lhe atormentava a alma, mas lhe dava ânimo para viver. Mas, calou e guardou...

Era uma mulher que sonhava muito e ampliava a espera em cumplicidade com a lua, enviando-lhe todos os seus desejos, seus quereres, suas vontades.

Tentou construir um mundo longe do que idealizava e acreditou na esperança e abriu a janela e viu frestas iluminadas invadindo a sua alma e aprendeu que o seu corpo podia abrigá-las, aquecê-las e alimentá-las até estarem prontas para o desabrochar.

As frestas tornaram-se vivas no coração da Mulher que conheci e que sonhava muito!

Ela amava a lua. Continuava sonhando e perseguindo aquele sonho que lhe acompanhou na adolescência, prosseguiu em seu crescimento e permaneceu intacto,sonoro,etéreo, mesmo que a achassem louca.

Continuava acreditando, olhando os céus, vivenciando as fases da lua, crendo no poder lunar, sonhando...sonhando...sonhando.
Como ela aguardou, solidificou a sua solidão interior alicerçada na crença de que o seu sonho poderia existir e continuou a olhar para os céus!

Com o tempo a maturidade plena foi atingida pois já reconhecia na alma a alegria de ser feliz pelas frestas iluminadas que lhe abriram fronteiras e abriram portas. Até que um dia a vida chegou ao seu coração, falando-lhe de alma macerada, necessidade de olhar para as pessoas com outros olhares, pois teve diante de si a certeza da deslealdade, desamor, desrespeito e desesperança. E aprendeu, a fórceps, que alma também pode ficar ferida de mágoas, incredulidade, de amizade, compromissos e companheirismo traídos, porque lhe disseram que nada que acreditou existiu.

E a mulher que sonhava muito precisou abraçar as suas frestas, silenciosamente, pedir colo de forma muda, buscar respostas sem nada falar, preservar a rotina vivencial daquelas frestas que tanto iluminavam a sua vida e enchiam seu coração de realizações , mesmo que ouvisse sobre a inexistência de seus projetos vitais.E reafirmou a crença na amizade.

Sofria, mas continuava olhando para os céus, pois perseverava na existência de um sonho que a acompanhava e observava a lua.
E se sentiu plena porque a vida tem o poder de renascimentos.

E renasceu!

Deixo a Outra Mulher em reflexão sobre a vida e continuo a caminhada observando a minha aldeia, que também precisaria ouvir suas histórias passadas e respirar a esperança.

A autora Ana Virgínia Santiago é jornalista, poeta e cronista no sul da Bahia